23.5.11

Formiguinhas


Tem gente que mata formiguinhas.

Eu não.

Hoje de manhã, ao abrir a torneira da pia para lavar o rosto e escovar os dentes, vi que uma formiguinha foi atingida por uma enorme gota d’água — e se afogou. Fechei imediatamente a torneira, larguei a escova, e tentei salvá-la com um pedacinho de papel dobrado. Mas ela estava imóvel, e não reagiu. Ainda assim, com muito cuidado, fiz com que se colasse ao papel e coloquei-a na borda da pia. Larguei tudo, inclinei-me e passei a soprar delicados jatos de ar quente naquele corpinho inerte. Mas ela não reagia, a coitadinha. Fiquei ali, olhando para o nada e refletindo sobre a morte... Após dezenas de tentativas, invoquei o que de mais puro vive no meu coração, e soprei novamente sobre ela o meu espírito. Ela então se mexe um pouquinho. Sopro de novo — e eis que ela anda! Ofereço-lhe o meu dedo indicador, e ela sobe por ele e dança em minhas mãos!

Você pode achar que perdi meu tempo. Você pode achar até que estou ficando louco. Você pode achar um monte de outras coisas sobre mim, mas realmente não me importo. Porque esta certeza agora me basta: hoje de manhã salvei a vida de uma bela formiguinha.


A maneira como um homem trata uma formiga reflete o modo como trata uma mulher.



Vamos analisar brevemente o caso dos gemeozinhos envolvidos na morte da formiga. Está claro que os dois não têm personalidades iguais. E se as coisas seguirem como parecem, sem interferências marcantes do acaso, sem solavancos do destino e sem mudanças significativas na educação imediata de ambos, é provável que o primeiro — o assassino da formiguinha — se torne um ciumento possessivo, capaz de massacrar um semelhante só pra subir na vida. E o segundo — o sensível, o humano — esse talvez se torne um poeta romântico. Um será talvez um ditador; o outro, artista.

Mas esta é só uma maneira de analisar o caso. Tentemos outras. Ressalto que meu comentário sobre o tal "assassininho" transformar-se numa pessoa insensível quando crescer tem uma importante ressalva: isso só acontecerá se não houver solavancos do destino — e se não se corrigirem logo os seus prováveis instintos de matar... As companhias que terá, os amigos, as maiores influências, etc. Ninguém nasce pronto. Maldade não é genética. O ambiente é que determina a ética e a moral. A família e a escola é que enchem as crianças de preconceitos e valores — nem sempre os melhores. Portanto, antes de tudo, o "assassininho" da formiga deve ser amado e compreendido. E bem orientado, urgentemente — antes que descambe de vez, e passe a matar o gato, o pardal e o cachorrinho...


A maneira como um menino trata uma formiga reflete o modo como tratará uma mulher.



A sublimação do erotismo gera agressividade. A repressão sexual cria monstros. Isto é Freud, meus amigos. Se o comportamento dos meninos do vídeo tem algo a ver com a sexualidade? Claro que tem. Quem nunca leu Freud pode achar que estou meio maluco. Mas vou te contar como cheguei até onde estou. Na adolescência fui marxista. Achava que a psicanálise era uma técnica de manipulação pequeno-burguesa. Depois de anos de filosofia na USP — e de mais de mil e quatrocentas relações amorosas livres — conheci Reich. Em seguida, Jung. Só mais tarde comecei a gostar do velho Freud. Mas quando conheci Osho, Gaiarsa e Roberto Freire, tudo virou de ponta-cabeça na minha. Hoje sou só um poeta que não sabe quase nada. Mas gosto de provocar intelectualmente as pessoas criativas. Entretanto, antes que você concorde comigo — ou discorde de mim — leia isto:

1. Reich - gênio ou louco?
2. Um pouquinho de Melanie Klein
3. Pulsão de morte na obra de Freud
4. Dicionário crítico de Jung
5. Osho - A nova criança
6. Gaiarsa na Revista TPM
7. Uma lágrima para Gaiarsa - Daniel Piza
8. Um sorriso para Gaiarsa: nosso último encontro.
9. Em busca do orgasmo perdido.


Só pra finalizar essas minhas divagações psicanalíticas: Freud dizia que a supressão da libido está na origem de todas as neuroses. E muitos acham que orgasmo "está fora de moda". As estatísticas comprovam que são esses os primeiros a cair em depressão.


Mas, voltando à despretensiosa leitura que estou fazendo do vídeo acima, acho que nem preciso citar o que dizem os Mestres Zen (e o Budismo Tibetano especialmente) sobre respeitarmos a vida em todas as suas manifestações — inclusive, é claro, a vida de uma simples formiguinha.



Teu filho mata formigas ou brinca com elas?