3.10.01

Eu tinha sete anos

A primeira noite de um menino.




Quando a primeira paixão da minha vida começou a incendiar-me o peito, tornei-me um serzinho sensual e amoroso full-time. Transformei meu coração num sol inesgotável, e pensei que todas as meninas e mulheres do mundo se chamariam Marina.

Eu tinha sete anos — completíssimos — e às vezes morava com minha Vó Vitalina.

E foi nessa idade que entrei glorioso na fase fálica do meu crescimento espírito-libidinal, montado num belo cavalo de sensações brilhantes, inocentes e lúbricas. Ao mesmo tempo, comecei a estimular principalmente duas coisas em mim: meu intelecto e meu sexo. E quando descobri que eu tinha o supremo poder de dar-me orgasmos, vibrei, deliciosamente — nos dois principais sentidos da expressão. Por isso, ainda hoje eu creio num Deus que não é qualquer: é um Deus que sonha — e tem orgasmos.

Fico pensando.

E me lembro de Sonia Maria.
Sonia Maria Santíssima!
Minha segunda paixão adolescente...

Sônia tem treze anos, e é linda. Sensualíssima. Convidado por ela, vamos ao cinema. Sentamos lá na última fila. Quando as luzes se apagam, ela desliza suavemente sua mão esquerda por minha perna, e ficamos de mãos dadas, enternecidos. Meu coração dispara de alegria. Nem me lembro do filme, mas sei que, quando a sala se ilumina em certas cenas, eu vejo que a outra mão dela está entre as duas do Júnior, um amigo meu. A princípio, estranhei um pouco, mas a parte de Sônia que me tocava continuava comigo... E assim, por muitos filmes e muitas e muitas noites de amor inocente, eu aprendi a compartilhar a musa até hoje inesquecível. Eu tinha então doze anos — e isso mudou minha vida para sempre. Aprendi que ninguém é dono de ninguém. E o que é mais importante: ninguém é propriedade de ninguém.
(...) Parte deste texto só está nos meus livros.


Aqui havia algo sobre Bernadete Pimenta Magalhães. É tudo ficção, mas faz de conta que é verdade.

/// Por sugestão de Daniela e Alessandra, estou excluindo daqui parte do texto em que falo de Bernadete Magalhães. Ou seria Beatriz? Ou Beth? Certas coisas e certas pessoas a gente tem simplesmente que apagar. Dos livros já publicados (inclusive as edições do Solidão a Mil de 1998, 2003 e 2011) não as posso tirar, mas nas próximas edições farei uma limpeza! ///




Beatriz Pimenta Magalhães. É tudo ficção, mas faz de conta que é verdade. Beatriz foi meu primeiro amor sexual de fato, primeira transa efetiva. Sábado à noite. Na mão esquerda, um litro de Martini bianco, que comprei numa pastelaria do Parque D. Pedro, em São Paulo. Na direita, a mão esquerda do meu então amor mais fascinante. Houvéramos nos encontrado cerca de quinze dias antes, na Praça da República — e eu já trazia na mão duas rosas vermelhas, que seriam trocadas por Beatriz. Era a primeira vez que eu, dezessete anos, dava flores a alguém que amava. O poeta meio inseguro já começava a ter refinadas maneiras de amante.

Nos abraçamos muito. Os três: eu, ela — e a vida.

Depois de alguns dias gloriosos e muitos abraços fortes, demorados, ela me elogiou com seus lábios finos e vermelhos: — Que bom: você é diferente, Edson: me abraça, sinto teu sexo em minhas pernas, mas você não se esfrega em mim. Me abraça como se dançássemos, com suavidade. Que bom!

Beatriz era tântrica e eu nem sabia o que isso significava.
(E já comecei a gostar dessa coisa.)

Nesse dia da primeira vez, fui seduzido. Ela tomou a iniciativa, arrumou a casa de uma amiga e me convidou para irmos até lá. Bebemos dois ônibus, já era tarde da meia noite, o litro quase branco de Martini equilibrando meus braços de amor, cachorros latiam, havia luar em São Caetano. A lua como Diana, eu ainda não sabia. Não lembro do mês, mas o ano era não-sei-quanto. (Ou terá sido antes?) Assim que chegamos me contou que a amiga não estaria em casa. (Tremi). Ela sabia que eu era virgem, em cartas já me havia confessado — ao vivo também.

Aquelas brincadeiras com Marina e todas as outras, na minha infância e adolescência — eu nem conto. Talvez um dia, vinte anos depois da minha morte, quem sabe... Também não levo em consideração todas as transas adolescentes porque porque lhes faltava um toque de sublime. Eram mais exercícios sexuais do que paixões enlouquecidas.

Então, explorando nossos mútuos segredos, tomamos o restinho do martini em dois copos de vidro, eu e Beatriz. Para o poeta, isso equivale a um Veuve Cliquot em duas taças de Crystal. Fizemos amor como se transássemos, e não me lembro como. Na teoria, eu era um grande amante, mas não devia ter muita prática. Há nuvens na memória quanto a isso. Dormimos juntos, na mesma cama, de uma forma que Kundera jamais recomendaria.

Dia seguinte, domingo de Páscoa, quando acordei, ainda de bruços, olhei para o azul do lençol limpo, perfumado. (Por isso a fixação em lençóis azuis). Certifiquei-me de que era eu mesmo, e me virei. O teto — o próprio teto do mundo, pintado por Michelangelo, Episódios da Criação dançando no meu cérebro inquieto. Na parede à minha frente o Sagrado Coração — e Jesus, cabeça inclinada, a palma das mãos para cima, me olhava, sorrindo. (Foi a primeira vez que vi Jesus como um cara legal). À minha direita, a janela grande, sem cortinas, por onde o claro e o óbvio me enchiam de luz. À esquerda, a porta aberta e a música dos Beatles (qual?) entrando por ela. — Nenhuma pressa.
Me senti espreguiçando na própria Capela Sistina...
Que diferença da pensão onde eu morava...


(Fora morar nessa pensão porque queria vencer sozinho na vida, sem ajuda do meu pai. E venci — mas esta é outra história!)

Uma toalha felpuda, branca, ao meu lado, na cama. Levanto-me, enrolo-me, saio, quase caio. A mesa estava posta: era feijoada, feita-me por meu amor para o nosso amor.
E para o seu amor:
— Dormiu bem? Quer um banho? — me beijou na boca.
Era a primeira vez que alguém, em toda minha santa vida, me fazia essa pergunta. "Se dormi bem?" — Ora, dormi como deveria ter dormido desde criança! Foi a primeira vez que sonhei que estava sonhando acordado ao me levantar. Beatriz ainda nua, e eu, perplexo. Ela, desenvolta, eu — meio enrolado. Havia uma garrafa de cerveja Brahma sobre a toalha xadrez, um clima escandaloso de paixão e de mistério. Me beijou de novo com seus lábios quentes, enquanto me apertava o sexo desesperadamente duro:
— Você abre a cerveja?
A chave parecia de prata, e brilhava naquela quase tarde de um subúrbio ensolarado e esquecido, onde ganhei para sempre a minha eterna virgindade. Servi delicado o ouro líquido nos dois copos, e ainda em pé lhe ofereci o brinde:
— À vida!
— À vida, claro. E a nós, antes de tudo — disse ela, sorrindo, enquanto arrancava-me a toalha, deixando-me nu.
Sentamos, um quase no colo do outro. Era a primeira vez que alguém me fazia almoço exclusivo. Senti-me rei, príncipe excitado, um amado de verdade, um Jesus, um Buda, um Bhagwan. Do que falamos não me lembro. Só pode ter sido sobre amor e liberdade. Era o meu primeiro banquete, um banquete em que meu sexo ficou duro do começo ao fim.

Inesquecivelmente duro. Uma rocha. Um obelisco.

Como sobremesa, pediu-me que virasse um pouco a cadeira, sentou-se aos meus pés, separou-me os joelhos um do outro, com extrema delicadeza, arrancou meu cacete vivo para fora de si mesmo, pediu-me que fechasse os olhos — e chupou-me de uma forma que eu jamais supunha ser possível. Engoliu meus jatos de amor, limpou-me com o mesmo guardanapo manchado de caldo de feijão, pegou minha mão e conduziu-me voando para o quarto.
Transamos novamente — e de novo, novamente.
Nossos líquidos inundaram os lençóis.
E isso me deixou maravilhado.


Não me lembro de todos os detalhes. Confesso agora, naquela época eu não sabia o que fazer com uma mulher. Na biblioteca do Partido Comunista não havia o Kama Sutra. O orgasmo feminino, portanto, me era uma incógnita.






Não me lembro de todos os detalhes.
Nunca gostei muito de falar "fazer amor".
Prefiro transar.
Depois te explico por quê.

E voltei a São Paulo, lendo o livro de John Steinbeck que ela me deu, sacolejando no ônibus madrugante todas aquelas gostosuras despertadas que comecei a perceber havia em mim. Entreguei-em a um Deus Desconhecido.

Naquele dia a realidade começou a ficar muito melhor do que já tinha sido.
E nunca mais parou de ficar!


(...)
Ela sempre me dizia algo como:
— Fique pouco.
“Não me preencha em demasia. Serei apenas um dos teus amores. Nunca brigaremos, porque não te darei razões — nem permitirei que me sejam dadas por você. Antes de nos cansarmos um do outro, aumentaremos a distância entre nós dois”.

Agora que já era um poeta, andaria com as próprias pernas.
E amaria do meu próprio jeito.

Mas Bernadete sumia muito de vez em quando.
— Te amo muito, mas preciso te perder — dizia, segura de si. Ela já sabia que o excesso de presença mata o amor. E como diz minha mãe: depois de comermos juntos meio quilo de sal, a vida a dois já não será mais a mesma...
— Quero ser tua amante — Bernadete me pedia. — Namore outra, enquanto isso. Procure uma menina mais nova que você.

Santo conselho!

Foi então que conheci Célia, oito horas sentados num banquinho da praça. Nunca toquei nos seios dela, nunca lhe pus as mãos no clitóris; nunca transamos. Célia era tão pura, tão inteligente, tão lúcida, que me apaixonei. Além de tudo, ela era comunista. Então, por uns tempos — um ano talvez — tive, simultaneamente, uma namorada-namorada, e uma namorada-amante.

E eu amava as duas com a mesma intensidade. Com Bernadete, o sátiro lúbrico saltitava e caía de boca no seu sexo, mas com Célia era o intelectual comunista: até os beijos que nos dávamos na boca eram manifestações políticas de apreço pessoal. Ela era intocável, puríssima. Acima da xoxotinha dela não havia um Monte de Vênus — havia uma Sierra Maestra.
(Isto mostra o quanto aquele comunista era um tolo...)

E porque nessa época consegui amar duas mulheres ao mesmo tempo — e vi que isso era bom — acabei concluindo que poderia amar duas pelo resto da minha vida.
— Ou mais!

O que me complicou, mesmo, não foi o fato de ser comunista, foi ter querido salvar a classe operária — uma classe inculta, sem graça, pobre, e de extremo mau gosto. Meu grande erro foi ter querido, por anos e anos a fio, salvar uma classe que não tem classe, não tem finesse. Uma classe que não tem salvação, em nenhum lugar do mundo. E que, se um dia se salvar — no seguinte já morrerá soterrada de novo na sua própria mediocridade. Mas nunca abandonei o ideal socialista...

Então Paritosh me pega pelo braço, desvia o assunto:
— Irresponsável, Mahatma, é quem não realiza os próprios sonhos.
Concordo.

E fico sempre pensando no que me disse Bernadete aquele dia:
“Edson, procure uma menina mais nova que você...”
(Até hoje sigo à risca esse conselho!)

— Irresponsável, Swami, irresponsável é aquele que não se aventura, não se joga no escuro profundo da Vida. Irresponsável é aquele que só segue os caminhos já trilhados, só visita os lugares que existem nos mapas. Irresponsável é aquele que segue apenas o rebanho. Não corre riscos, não aspira ser mais, não deseja, não vibra, e pouco a pouco vai deixando até de sonhar. Esse é o verdadeiro irresponsável: em vez de voar, chafurda no pútrido lodo do medo...

(Paritosh continua falando, falando, falando.)

Mas ontem,






Eu tive a sorte de conhecer Reich antes de conhecer Freud.
E a sorte, maior ainda, de conhecer Marina quando eu tinha sete anos de idade.
Um pouco depois, a impressionante sorte de conhecer Sônia aos doze.
E, desde então, muitas outras sortes. Muitas...

SM-11103 # TA12084.


O texto acima está no meu livro Solidão a Mil - página 402.

Maiores detalhes, especialmente as coisas maravilhosas que eu e Marina fazíamos, estão no meu livro Teoria do Acaso, páginas 084 e seguintes. Onde também escrevo a respeito do que Freud dizia sobre a sexualidade infantil.