MULHERES
Não me bastam os cinco
sentidos para perceber-lhes toda a beleza. Não me bastam os cinco sentidos para
viver com totalidade o mistério profundo que elas trazem consigo. Eu tenho é
que tocá-las, cheirá-las, acariciá-las, penetrar-lhes o sorriso, sentir o seu
perfume, beijar-lhes o céu da boca, ouvir suas histórias, transformá-las em
deusas. Tenho que dar-lhes o amor que o meu corpo conduz e sustenta-me a alma.
O belo amor natural por todas as coisas do mundo. Como espelho de paixões em
labareda, tenho que sentir nos seus olhos um raro brilho diamante.
Eu as respeito e as venero
— com a graça de um cisne que dança num lago tranqüilo e a ousadia de um touro
selvagem recém-despertado. Não lhes faço perguntas, não as pressiono por nada,
não lhes tiro a liberdade, não quero mudá-las jamais. Sempre imagino o que
estejam sonhando, e pulo de cabeça no sonho delas. Cavalgo o vento para
visitar-lhes as razões, as emoções e as loucuras. Como um deus escandaloso e
surpreso por sua própria criatura, entro no coração de cada uma delas,
deliciosamente, como se entrasse numa pulsante catedral. Mergulho na essência
dos seus desejos e cada vez me espanto mais com tanta fantasia. Os cinco
sentidos, por não serem precisos, ainda não bastam, e preciso mais do que isso
para compreendê-las.
Toda
mulher é silenciosa por dentro. A existência pura se
manifesta em cada detalhe. Assim na terra como no céu, amar as mulheres é uma
experiência religiosa. E eu as amo, fina substância, como deve amar quem ama de
verdade — incondicionalmente. Sem ciúmes.
Eu amo as morenas, as loiras, as baixinhas, as altas, as lindas, as quase
feias. Amo as virtuosas, as magras, as gordinhas, as diabólicas, as tímidas — e
até as mentirosas. As iluminadas, as pecadoras, e as santíssimas. Amo as
virgens, as pobres, as ricas, as loucas, as muito vivas, as inocentes. As
bronzeadas pelo sol, e as branquinhas. As inteligentes — e as nem tanto. Desde
que sensíveis, eu amo as jovens, as maduras, as solteiras, as casadas, as
separadas. As bem-amadas, e as abandonadas. As livres, e as indecisas. E se me
dessem o poder, o tempo e, principalmente, a chance, eu a todas elas daria,
todos os dias, um êxtase cósmico, poético e sublime.
Apanharia flores
silvestres, tomaria sol com todas elas, todo dia. Andaríamos descalços na
areia, contemplaríamos crepúsculos cor de abóbora, jantaríamos à luz de velas,
dançaríamos, tomaríamos vinho branco, olharíamos as estrelas. E eu lhes faria
poesias de amor. Puro como um anjo, amaria cada uma delas eternamente — uma por vez. Com delicadeza, com doçura, com
profundidade, com inocência. Entusiasmado, como se cada uma fosse a única. Como
se no mundo inteiro não houvesse mais nada, nem ninguém.
Todas as noites, eu passaria
cremes e encantos no seu corpo. Falaria sobre fábulas, contaria histórias
românticas, as veria dormir. Ouvindo Beethoven, velaria por um tempo o sono
delas, e, de madrugada, antes do sol raiar, antes do primeiro pássaro cantar,
as cobriria com o resto de luar que ainda houvesse, e sairia em silêncio. Como
um felino lógico, sensual e saciado, deslizaria pelo cetim azul-celeste dos
lençóis, saltaria por sobre todas as metáforas — e sorrindo iria embora.
Enfim, se por acaso fosse
Deus, eu com certeza não mais ficaria cuidando do universo e dessas outras
coisinhas banais. Não ficaria controlando o destino das pessoas, o tempo, os
compromissos, a pressa, o caminho dos planetas, a economia, o cotidiano, o
infinito, os genes, a Internet, a geografia... Não!