2.7.12

dialogo

— Você é contra a paixão? — ela me pergunta.
— De forma alguma! Eu sou um amante extremamente apaixonado...
— Não parece.
— Ora, eu vivo apaixonado, e você sabe disso muito bem.
— Apaixonado por mil ao mesmo tempo...
— Paixão que se limita a um é pouca.
— Por que você não fica só comigo?
— Porque as circunstâncias não permitem.
— Afaste as circunstâncias — me propõe um absurdo.
— Irei com elas, se se forem.
— Mas eu quero você só pra mim... — ela insiste.
Estendo-lhe então as minhas mãos amorosíssimas, e resolvo brincar com essa menina:
— Meu amor: o meu amor é, e sempre será, "inclusivo". Desta forma, sou teu: inclusivamente. Porque exclusivamente — só meu. Mas, qualquer dia desses, vou reservar todas as coisas da minha casa só pra você: todas as cadeiras estarão com teu nome, todos os discos, livros, camas, luzes, banheiros, toalhas, todos os espaços estarão reservados pra você. Eu inteirinho estarei reservado só pra você. Mas não se acostume: é apenas por um dia. Depois, tudo volta àquela antiga e gostosa anormalidade: se você chegar depois das oito, vai pegar fila...
— Você sempre foi assim?
— Assim, como?
— Assim, meio louco...
— Não sou meio louco, nem meio nada. Sou sempre inteiro.
— Nunca teve ciúmes?
— Sim, quando eu era ridículo.
— Ah, então você já foi ridículo?!
— Claro. Todos nós temos nossos momentos de horror.
— Quando foi isso? — ela me pergunta, falsamente interessada.
— Faz algum tempo. Sílvia era o nome dela. Eu tinha vinte e dois anos. Íamos nos casar: de véu, grinalda, flor de laranjeira — e trabuco. Eu era então ciumento, mas um ciumento civilizado. Jamais externei meu ciúme. O ciúme contido é aceitável nas almas pequenas. Só quando se manifesta é que o ciúme se torna ridículo: por que mostrar nossas doenças em público?
— Você acha que o ciúme é uma doença?
— Das mais graves.
— Num livro teu você diz que o ciúme dá câncer...
— Na verdade eu escrevi que o ciúme é um câncer.
— Você falou em almas pequenas. E as grandes almas, como ficam quando sentem ciúmes?
— Grandes almas não sentem ciúmes. Já cresceram.
— Mas um pouco de ciúme não é bom?
— Bom para quem? — eu acabo perguntando, irônico.
— Para quem ama...
— Um pouquinho de câncer poderá fazer bem a quem? Talvez ao oncologista que o estiver tratando. Assim, um pouco de ciúme: fará bem ao psicoterapeuta que eventualmente poderá vir a tratar do infeliz.
— Você acha que o ciúme deve ser tratado?
— Como qualquer outra doença.
— Você é radical, Edson.
— Ser radical é tomar a coisa pela raiz. Outra forma será tomá-la pela rama: opção entre ser supérfluo e ser profundo.
— O que você sugere para o ciumento?
— Terapia.
— Todo ciumento deve se submeter a algum tipo de terapia?
— Não: só aquele que tem cura.
— Cura?! — ela parece estranhar o termo.
— Só aquele que pode se amar em primeiro lugar, e que pode vir ainda a centrar-se em si mesmo, algum dia. Ou seja: o não-esquizofrênico. Aquele que ainda não perdeu a capacidade de respeitar a liberdade do outro.
— Todo ciumento é burro?
— Um quadrúpede, uma verdadeira cavalgadura, que relincha — e pasta.
— Mas quem tem ciúme acha isso muito natural... Até saudável.
— Nenhum neurótico se considera neurótico.
— O ciúme é uma neurose?
— Sim, claro...
(...)
Essa conversa continuou assim por umas duas ou três horas. Depois eu conto como foi o final.