22.6.12

abobrinhas

Hoje eu vou falar de abobrinhas. Meu pai tinha um sítio no bairro do Rodeio, distante uns dez quilômetros da cidade. Eu gostava de ir para lá, colher jaboticabas e laranjas no pé, entrar na pequena cachoeira que havia na divisa. Eu gostava de andar de charrete, mas, muito novo ainda para conduzi-la sozinho, meu pai mandava um dos empregados me levar. Certo dia, vindo de lá, eu trouxe para casa duas abobrinhas. Meu pai perguntou-me de onde eram elas. Eu lhe disse que estavam no barranco logo depois da porteira, e as colhi. Ah, era no barranco do vizinho? Sim, no barranco, no lado de fora, eu confirmei. Dois dias depois, meu pai me chama no armazém e me apresenta o sorridente Nho Jovêncio, o dono do barranco e das abóboras. Gelei. Mas, meu pai, um bruto com coração, só queria que eu confirmasse se eram duas as abobrinhas que eu havia colhido. Nho Jovêncio não queria cobrar de jeito nenhum, mas meu pai assegurava que a decisão de pagá-las era minha, e que eu lhe havia recomendado isso expressamente. Dizia ele que eu apenas tinha "antecipado a compra", na ausência do vendedor... Estava com vontade de comer abobrinhas, e levei o produto com a real intenção de pagá-lo depois. Meu pai, é claro, inventou essa história de compra antecipada com intenção de pagá-la, etc. Mas a vergonha que eu passei — nunca mais a esqueci. Eu só tinha oito anos. E foi assim que aprendi a respeitar o barranco do vizinho. A propriedade alheia. Porque as abobrinhas, você sabe, sempre têm dono.

Quem puxava a charrete era geralmente o meu cavalo Estrela. Alguns dias, para descansar o Estrela, nós colocávamos o Gateado. Ambos eram muito bons, mas o Estrela brilhava mais. E eu agora fico pensando: depois de estudar tanto, ainda não sei onde é que foi parar a alma do Estrela. Será que ela está aqui, bem aqui, dentro do meu próprio coração?