1.10.11

Deus escritor

EU PENSAVA QUE DEUS ERA ESCRITOR

Quando eu era bem criança, diziam-me que Deus escreve no livro da nossa vida todas as coisas que fazemos. Esse livro deve ser enorme, eu pensava. E o pior: no dia do Juízo Final tudo seria revelado. Nada seria mantido em segredo — nem mesmo aqueles pecados maravilhosos que cometíamos, eu e Marina, no escuro do meu quarto, de portas fechadas e respiração suspensa. Só não me disseram que as páginas desse livro estão guardadas em nosso próprio coração. E que o Deus que escreve nelas somos nós mesmos. E que nada vai se apagar porque a tinta é indelével: escrevemos com sangue.

Sorte que, com a ajuda de minha Vó Vitalina, descobri cedo, e fui concluindo pelo lado certo. Ou seja, a hipocrisia me jogaria no abismo do inferno — mas a espontaneidade me salva. Por isso é que eu digo: Deus vê tudo o que você faz, porque Deus está lá, onde está o teu coração. Se você agir certo, será recompensado por teus atos. Não é preciso contar pra ninguém: Deus está vendo tudo. Mas, se agir errado, se você for injusto, cruel, insensível, hipócrita, ciumento — o Deus que te habita vai te foder. Mais cedo ou mais tarde, de um jeito ou de outro, Ele vai te foder! Desse Deus nada se oculta... Absolutamente nada.

Portanto, não adianta fazer nada escondido: Deus vê tudo. Essa é uma das metáforas mais criativas da mitologia cristã: Deus é Você, e nada do que faz pode ser feito sem que você mesmo saiba. E quem registra tudo no teu livro é você — que é Deus! Se contrariar a tua própria natureza, você mesmo é que vai registrar esse pecado no teu livro. Se disser uma mentira qualquer, não é preciso que os outros a descubram: — ela fica imediatamente registrada no teu próprio coração.