4.7.11

dora no pico

....Bilhete Azul

Este é um bilhete que escrevi para Dora, que então ainda era um dos maiores amores da minha vida, há mais de vinte anos, logo após termos jantado no Star City, em São Paulo. Ela compreendeu, com muito amor, a necessidade que ambos tínhamos de partir para carreiras solo... Jamais esquecerei que ela foi compreensiva!

Foi melhor para nós dois.


Dora havia sido maravilhosa. No dia em que eu a conheci, no Studio do Senac, fiz 360 fotos dela. E me apaixonei quando ela pronunciou o segundo N ao pedir a sobremesa de pudim com calda de banana, logo após o jantar. Dora era quase perfeita, em todos os sentidos. E até bastante compreensiva. Tanto que, quando ganhei o Prêmio Cervantes, ela preferiu não ir comigo, pois talvez não suportasse me ver tão amado pelas outras na cerimônia. Dora me dizia que seu ciúme, embora nem sempre exposto, esmagava-lhe a própria alma. Aquele câncer chamado ciúme aumentava-lhe as dores e as penas, e amputava-me as asas, me amarrava, prendia. E um poeta de asas cortadas vai ficando gelado. Mesmo porque não (re) conheço nenhum outro tipo de amor que não seja o livre. Se alguém que me ama pretender impor-me um novo conceito de amor — que não seja o amor livre — deve simplesmente deixar-me como estou. Dora respeitava muito a minha liberdade, mas não conseguia ser livre, ela mesma. Fora criada na antiga cultura da exclusividade sexual e amorosa, numa família tradicional e numa sociedade conservadora que até enaltecem o ciúme. Acontece que isso lhe causava dores emocionais profundas. Durou cinco anos nossa história de amor. Mas repito o que disse logo acima: Foi melhor para nós dois. Separamo-nos no Pico, amorosamente. Pois um grande amor como Dora não poderia ser deixado em nenhum outro lugar. Tinha que ser no Pico.