25.6.11

Todas as Auroras

Sou o autor da minha peça e o próprio personagem. A dança e o bailarino, a música, o regente, o compositor. A ternura mais vermelha e delicada, o lóbulo da orelha do meu amor. O beijo e o orgasmo, a delícia e o licor; o êxtase e todas as auroras que ainda vão chegar. Sou o céu estrelado, a língua do horizonte — e mais além. Sou sagrado e sou profano, o profundo e o supérfluo, a origem da tragédia, o brilho e o pó. Sou mínimo e tanto, sou pouco em princípio, paixão em excesso, glória e desejo. Sou infinito no meu coração, e a última labareda de uma espécie de fogo em extinção.


(...)

Sou a música penetrando-me esta consciência do agora e sou o sol lá fora por sobre o canto das águas; sou o meu lado esquerdo, minha parte, meu todo; sou sangue, desejo, emoção; sou o doce primogênito como quis minha mãe; sou filho de mim mesmo, sou o profeta que me anuncia; sou as lembranças gostosas povoando esta sala; sou esse fogo tentando me aquecer com imagens que ainda vou ter; sou a manhã, sou hoje, maçã, caramelo, açúcar, desejo, ciência, perfume, delito e canção; sou depois, sou azul, coração, sou a noite, madrugada, o vinho, cerejas, orvalho e barulho do mar; sou os primeiros violinos que agora se mostram com todo vigor, sou o próprio Beethoven que chega para reger essa orquestra que tenho no peito; também sou Vangelis que num simples silêncio se vai; e sou agora Nabuco, e o lindo coro dos escravos hebreus.

(...)

Este texto é longo, e continua para muito além daqui. Original completo no meu livro Solidão a Mil.